quinta-feira, 31 de maio de 2012

Ser um e ser dois


Esse mês de maio eu me peguei reflexiva, provocada a pensar nos acontecimentos do último ano. Em verdade, eu já andava me sentindo dessa forma mais um tempo antes. Refletindo sobre meu lugar no mundo depois que me tornei mãe, desde a forma de me vestir, de andar, falar, até como estou cuidando e criando meu pequeno, ainda tão pequeno.

Mas nesse mês, talvez pela proximidade de Luca completar um ano, tudo foi ficando mais forte e eu fui aos poucos, revivendo todo o meu parto. E passei por vários sentimentos, desde me sentir vencedora por ter conseguido parir em casa, sem intervenções, num sistema onde pessoas com plano de saúde – meu caso – tem 90% de chance de acabarem numa cirurgia desnecessária para ter seu filho nos braços, até uma pessoa frágil e vulnerável, pois em determinado momento do parto, eu achei sinceramente que não conseguiria mais avançar e dar à luz Luca. E fico me lembrando da tremedeira, dos dentes batendo, o corpo todo tremendo de forma involuntária e incontrolável, o choro, e um momento em que eu quase desmaiei, não fosse a parteira me chamar baixinho: “Helô?”.

E aí eu despertei, entendi que precisava terminar logo aquilo. Que Luca queria nascer e eu também queria que ele viesse, apesar de todo o medo que eu estava sentindo. Sim, era medo, muito medo. Sentia muita dor, sentia um desconforto físico muito grande, mas sobretudo um desconforto emocional, porque não estava me sentindo no controle da situação. E quando eu falo em controle, quero dizer da racionalidade da coisa. Tudo bem, eu estava na partolândia, entregue, mas minha mente oscilava entre se deixar levar e tentar assumir o controle de algo que não lhe cabia. Porque isso faz parte da minha natureza, e me deparar com esse impasse entre o racional e o animal, justo naquele momento, foi assustador, porque colocava em xeque a minha confiança em terminar aquele processo da forma como eu desejava. Mas o mais impressionante é que essas ondas mentais aconteciam em sintonia inversa com as ondas das contrações. E era justamente nas contrações que o medo desaparecia, a fêmea tomava lugar e a razão perdia sua influência,  ficando só a vontade de fazer força e trazer meu bebê ao mundo.

E aos poucos, ao longo desse mês, esses momentos do parto, que eu não cheguei a relatar, foram vindo na minha mente, como um flashback avassalador. E, se depois do parto, eu secretamente me senti muito fraca por todas essas coisas que eu narrei agora, hoje entendo que elas tinham uma razão de existir. Eu precisava desse medo para entender o tamanho do desafio de ser mãe. A responsabilidade por um ser totalmente dependente de você é, sim, assustadora, mas até o dia do parto, eu não tinha pensado sobre isso. Essa noção me invadiu, justo naquela hora, e quase me paralisa. Me lembro de Paloma ter me perguntado se eu estava com medo, e me perguntar de quê: “de ser mãe”. Vejo hoje – e já via antes – o quanto não tinha noção do que me esperava e o quanto embarquei nessa viagem de forma imatura, impensada, não planejada.

E a dor, da qual tantas tem medo a ponto de agendar uma cirurgia para evitar sentir, é constitutiva desse processo, no melhor estilo “no pain, no gain”. Sim, para todo esforço, há que haver uma recompensa. E a maior de todas, nesse caso, um bebezinho lindo, incrível, nascido de um ato de amor, muitas divisões celulares e uma maratona física, cujo clímax é indescritível.

E, outro dia, lendo sobre a natureza sexual do parto e a dor como parte do processo de transição para a maternidade, pude revisitar o paradoxo que narrei em meu relato de parto, há quase um ano atrás, e entender melhor como se constituiu o momento de passagem da filha para a mãe, da menina para a mulher, da indivídua para o binômio mãebebê, do qual nunca mais conseguirei me afastar. Entendi que o parto simboliza o nascimento não só do bebê, mas da mãe, que  tal como ele, aprenderá a se situar no mundo nessa nova condição.

E senti muita necessidade de relatar novamente essa experiência, tão significativa na minha existência, ao ponto de precisar de um ano inteiro para compreende-la na sua totalidade... pelo menos até aqui, pois talvez a experiência na maternidade ainda me mostre outros desdobramentos daquele fatídico dia, indelével para toda a minha existência.

Depois que Luca nasceu, ficou a pergunta: “mas eu realmente queria ser mãe?” E estaria mentindo se dissesse que não penso nisso ainda hoje em dia. Penso sim, porque abrir mão de certas coisas ainda é difícil para mim, embora hoje elas me pareçam muito mais relativas do que há um ano ou dois. Mas a diferença para o ano que passou, é que hoje eu tenho certeza que não poderia passar pela vida sem experimentar, pelo menos uma vez, o que é engravidar, gestar, parir e cuidar. O que é acompanhar a existência de um ser humano desde o seu primeiro dia, e ter dele as lembranças que não tenho de mim mesma. O que é compreender como é a vida sem a razão cognitiva, sem a linguagem articulada, sem a desenvoltura física.

Acompanhar cada dia dessas conquistas, as dificuldades, o esforço, a alegria, a tristeza, o aprendizado sobre a vida, sobre a relação com as pessoas, com as coisas, com o mundo. Depois de um ano de vida, tudo isso já está constituído em Luca, pelo menos nas fundações. Agora ele, que já anda e possui mecanismos mínimos para expressar o que quer – e sobretudo o que não quer – poderá começar a edificar sua existência, assumindo preferências, demonstrando seu temperamento e aos poucos fazendo suas escolhas.

Hoje, não consigo entender a vida sem ele por perto. Não consigo entender meu lugar no mundo sem ser a mãe dele. Sou, sim, muitas outras coisas. Mas também estou aprendendo a ser mãe, com todos os percalços, dificuldades, medos, ansiedades que isso pode me gerar. Mas é um novo caminho sendo trilhado, indissociável da minha própria individualidade. Ser um e ser dois ao mesmo tempo. Como pode?

Um comentário:

  1. "acompanhar a existência de um ser humano desde o seu primeiro dia, e ter dele as lembranças que não tenho de mim mesma. "

    Adorei essa parte!!
    bjos!

    ResponderExcluir