Esse post tem um certo tom de deja vu,
porque quem me lê por aqui certamente já me viu tratando desse tema... acho que
o fim da gravidez marca o início de uma nova era, que podemos traduzir como uma
sucessão de separações, que conduzem mãe e filho à autonomia e ao
amadurecimento. A partir do momento que o cordão umbilical é cortado, pelo pai
ou outra pessoa, inicia-se uma vida onde existem dois corpos distintos, cuja
percepção, todavia, ainda é todo nebulosa e desconhecida para o binômio mãebebê.
São semanas e meses tão intensos, de conhecimento mútuo, que nem nós, mães e
mulheres, supostamente seres humanos mais evoluídos que bebês humanos pela
nossa capacidade cognitiva nos damos muito conta da existência de dois corpos.
E a verdade é que somos sim um só. Tal qual o bebê sente o que sentimos, também
somos capazes de sentir o que ele sente. Por isso que o contato no primeiro
minuto de vida é tão transformador, porque inicia esse vínculo calcado na
empatia que nunca mais vai se desfazer, nem debaixo da água, nem debaixo da
terra, nem a milhas de distância...
À medida que o tempo vai passando, tendo em
vista nossa tradição cultural e nosso papel no mercado de trabalho, novas
separações vão se processando. Começamos pela introdução dos alimentos sólidos,
quando nós, fêmeas-mamíferas-humanas deixamos de ser a única fonte de alimento
para nossos filhotes, e outras pessoas podem compartilhar essa tarefa conosco.
E pensa que eles – os filhotes – não gostam? No começo alguns podem ser mais
resistentes, se negando a comer, jogando comida na gente (ressalto que nada
disso aconteceu comigo, Luca foi bom de boca e de colher desde que nasceu), mas
depois topam e pedem mais, com ênfase no mais. E a gente também gosta, porque
pode circular mais livremente por aí, dar uma incrementada no regime pra perder
as últimas gorduras que a amamentação não levou (pra quem não sabe, dieta e
amamentação não combinam, por diversas razões, que vão desde a saúde da mãe,
até a qualidade e o sabor do leite),
voltar a usar algumas peças de roupas e sutiãs aposentados, tomar umas a
mais e retomar vícios como o cigarro.
Depois tem a volta ao trabalho e a
consequente separação no horário comercial. É hora de escolher se deixaremos
nossas crias no conforto do lar, com uma pessoa minimamente confiável, ou se o
enviaremos para locais onde ele poderá conviver com outras crianças – e doenças
– se beneficiando desse contato de várias maneiras. Esse momento é mais
delicado, tem muita mãe que sofre, e o bichinho sofre junto, e o contrário também
é verdadeiro. Concordo que nós, como adultos humanos, temos – ou deveríamos ter
– maior habilidade em administrar isso e passar a segurança necessária para
nossos filhos saberem que, ao final de cada dia, voltaremos lá para busca-los e
leva-los conosco para casa, mas isso não determina que a criança não terá
dificuldades para se adaptar. Às vezes ela é mais sensível mesmo e ponto.
Mas o bom é que somos todos seres humanos
com capacidade incrível de adaptação a diferentes situações, e o
desenvolvimento desse mecanismo também indica um determinado amadurecimento
cognitivo por parte do bebê. Só razões para ficar feliz, portanto. Além disso,
no meu caso, que escolhi deixar Luca numa creche, percebo o quanto ele evolui e
se beneficia desse contato, demonstrando pra gente que sabe exatamente onde
está, com quem está, e o quanto pode confiar nessas pessoas. E o quanto essa
diferença é marcante em relação a ambientes que ele desconhece ou pouco
frequenta. E tem a ver com isso: contato humano. É disso que são construídas as
relações: contato, olho no olho, o cheiro, o sorriso, a conversa...
Mas daí chega um belo dia em que surge uma
daquelas viagens de trabalho. Quando o pai sai, ele vai meio resignado, afinal
faz parte do trabalho dele, e claro que eu e o bebê sentimos a ausência, é a
família incompleta que surge. Mas quando a mãe tem que sair... primeiro que é
toda uma preparação familiar para o fato. Como vai ser com o peito, com a hora
de dormir, com as questões práticas da creche (desde levar e buscar, até montar
a sacola com as roupas certas e providenciar outras coisas necessárias no
decorrer do dia)... enfim, uma lista de coisas que não basta simplesmente
anunciar que vai viajar, como acontece com os homens. É um processo negociado.
Minha primeira atitude é ficar meio
irritada com isso, pois cadê a igualdade entre os gêneros nessa hora? Só que a
igualdade aparece dependendo de onde se olha. Edu me dá a maior força para
continuar trabalhando e evoluindo na carreira. Ele se preocupa com o impacto
disso no trabalho dele, claro, porque eu cuidar da minha carreira significa que
ele tem que se organizar para cuidar de Luca tanto quanto eu. Mas isso nunca,
em nenhum momento, deixou alguma entrelinha de que eu deveria parar de
trabalhar. Pra minha infelicidade, ele nem curte mulher que só fica dentro de
casa, hehehehe... Mas a verdade é que eu curto trabalhar também, então fica
tudo certo.
Só que eu sou a mãe, e como mãe assumo
certas tarefas no cuidado que, quando ele se vê sozinho para realizar, realiza,
mas não sem pensar 200 vezes antes em como será... Foi assim na primeira viagem
que eu tive que fazer. No começo era apenas uma noite, depois viraram duas e
talvez até tivessem que ser 3, mas foi quando eu pus o meu limite. Eu não
queria ficar mais do que isso longe dele. E minha ilusão no processo era tanta
que eu nem percebi que mesmo uma noite seria difícil para mim. Eu fiz toda a
preparação com o Edu, mas não comigo. Não me dei conta, por exemplo, que duas
noites, na verdade, eram 3 dias. Mesmo com ele na creche, tem o lance de
acordar junto, de levar na creche, de buscar, ficar um pouco da noite
brincando, as brincadeiras no caminho... E fui me dando conta, somente alguns
dias antes da viagem, de todos esses momentos, e de cada um deles... E uma
profunda angústia se abateu sobre mim, por saber que não poderia acariciar
aquelas bochechas lisinhas e macias, não poderia beijá-lo, nem brincar com ele,
nem dar de mamar, nem por pra dormir, nem olhar pra ele ao acordar...
Ele? Não se alterou tanto como eu não.
Ficou sem o mamá, e teve noites um pouco agitadas me procurando, manhãs
sonolentas (com sonecas mais longas na creche), mas aceitou a comida misturada
com leite que o pai deu pra substituir o peito, e quando eu cheguei, o
reencontro foi delicioso, com ele esvaziando meus peitos, inchados de tanto
leite acumulado...
Mas como tudo nessa vida tem consequências,
depois disso acho que ele percebeu que precisava reconsiderar a possibilidade
de uma reconciliação com a mamadeira (que ele aceitava de vez em quando, mas de
uma hora pra outra passou a rejeitar veementemente). Primeiro que eu podia ter
que viajar de novo. Segundo que a produção de leite, de fato, diminuiu. E, ao
contrário do que se possa imaginar, o processo de desmame começou sem planos
prévios, com naturalidade, comigo e Luca entendendo que novas fases se
aproximam na nossa relação.
Mas eu fiquei muito tocada com todo esse
processo. Me separar de Luca foi que nem deixar um braço meu pra trás, com a
diferença de que eu não tenho vontade de ficar acariciando e beijando meu braço
o dia todo. Usei toda a energia que eu tinha para o trabalho, e só queria saber
de chegar no hotel e falar com a minha casa pela webcam, e viva a tecnologia
que nos aproxima! A parte mais difícil, de longe, foi a hora de esvaziar o seio
lotado de leite. Um pouco pela dor física, porque é meio difícil ordenhar
quando o seio está cheio demais, o que acontece depois de um dia muito cheio de
trabalho sem oportunidade para pequenas escapadas... Mas muito mais pela dor
emocional de sentir que estava desperdiçando um alimento que foi vital para o
meu filho meses a fio. Já tinha ouvido relatos nesse sentido e achava um certo
exagero, mas quando foi comigo... Nada de exagero... Junto com o leite vertido
no chuveiro, lágrimas...
E eis que algum tempo depois, uma nova
viagem se apresenta. Dessa vez, internacional. Uau, oportunidade imperdível,
certo? Certíssimo. Preparação com o pai feita, dessa vez eu que não me
iludisse. Ia me preparar muito muito bem. Contei exatamente quantos dias e
noites seriam longe de casa, que momentos eu perderia junto com ele, como ia
lidar com a situação quando a saudade apertasse de verdade. A única diferença é
que como quase não estou mais amamentando, não teria problema com seios
inchados e doloridos... menos mal, porque encarar horas de voo a fio desse
jeito não ia ser legal não...
Passei praticamente um dia inteiro
viajando, de aeroporto em aeroporto, até chegar ao meu destino final. E vi
muitas famílias viajando com seus filhos, de diversas idades. E não deixava de
me encantar com cada situação presenciava, algumas das mais frugais, como uma
bebê da idade de Luca se escorando ao redor das mesinhas da sala de embarque
para alcançar meu cappuccino fervendo e ser salva pelo pai – e por mim, claro,
que tirei o copo na hora do alcance dela... e corria pro telefone para rever
pela enésima vez as zilhões de fotos que tenho dele, desde o dia que nasceu...
ainda bem que tenho, né... E ficava reparando na forma das mães carregarem os
bebês, falarem com eles, e a forma como respondiam ou ignoravam, suas
brincadeiras, enfim, tantos detalhes, que podia ficar aqui falando sobre eles e
quando visse, Luca já seria um rapaz.
Estou num lugar bem isolado de tudo, uma
antiga fazenda sueca, ouvindo e falando sobre um tema que ultimamente tem me
embrulhado estômago, que é a violência contra criança, nas mais diversas
formas. E ao redor do mundo são muitas as experiências, umas mais outras menos
bem sucedidas, mas são sempre temas difíceis, como a tal da síndrome do bebê
sacudido, coisa que ninguém gosta de reconhecer que existe, mas que é algo
gravíssimo e pode levar a morte. Mas de longe a história que achei mais linda
foi uma pesquisadora italiana, que vive em Nova Iorque, e que trouxe sua bela
garotinha de 4 anos de idade, para estar com ela nos momentos livres do
encontro. Enquanto a mãe trabalha, o pai, que também veio, fica com a menina.
Quando acaba a conferência, ela se junta à mãe e encanta a todos por perto.
Conversando com a mãe, ela me disse que seus empregadores não se opõem, e
acrescentou que é a única forma que encontrou de continuar trabalhando, pois
considera impossível viajar e ficar longe da filha. Para ela, ao contrário de
uma libertação, é a própria prisão estar sem ela... Então banca do próprio
bolso a vinda da família, e o pai, cujo trabalho permite descentralizar os
horários em função da mulher, dá o apoio prático que ela precisa. E eu aqui,
falando a importância da autonomia e do amadurecimento conquistados com essas
separações... bem, continuo achando muito positivos, se feitos de forma gradual
e tranquila, sem imposições nem choro, respeitando os sinais, o ritmo e vontade
do binômio... mas só fiquei pensando como seria bom se todas nós tivéssemos, de
fato, uma possibilidade de não ter que ensinar tão cedo aos nossos filhos
conceitos como esse...
ps. as fotos publicadas nesse post são de autoria do pai, Eduardo François, pois como estou escrevendo de Longe, Muito Longe Daqui, não teria como subir imagens que expressassem exatamente o que acontece nessas... separações.