sábado, 31 de março de 2012

Normalidade x Novidade


Luca entrou o décimo mês de vida dentro da normalidade: indo à creche, comendo, brincando, mamando... e dormindo. Sim, quem acompanhou a saga do mês passado deve se lembrar que eu e Eduardo iniciamos um esforço hercúleo de ensinar nosso pequeno a dormir, a partir dos sinais que ele vinha dando, e do nosso próprio cansaço. Sem choro, sem (muita) reclamação, mininu começou a dormir por conta própria, ora no colo, ora no berço, sendo cada vez mais raras as adormecidas mamando.

Elas ainda acontecem, claro, e não abro mão delas quando vejo que ele está muito estressado, irritado ou com dificuldade de adormecer. Mas ele mesmo tem parado antes de dormir de vez, pra achar uma posição melhor no meu colo. E o resultado: tem acordado uma, no máximo duas vezes por noite, e nem sempre pra mamar. Eduardo levanta, entra no quarto, ouve uns protestos, mas ele logo se rende – e nos rende...

Preciso ser sincera em confessar que me incomoda essa ditadura do sono como medida de nossa competência como mães. Aliás, a pergunta “ele já dorme a noite inteira?” nunca falta no rol de questionamentos sobre como vai a criança... E, claro, não faltam ideias brilhantes de como treinar um bebê a dormir, como se estivéssemos, de verdade, numa competição. Eu rejeito esse jogo e prefiro que as coisas caminhem lentamente, mesmo que tenhamos mais trabalho, a ver o bichinho sofrer. Sim, porque ficar chorando, sem ser atendido, é sofrimento demais, pra mim e pra ele.

Edu não gosta quando eu peço pra ele fazer Luca dormir e, no meio do processo, entro no circuito, por achar que a coisa já passou do ponto. Para ele, mininu vai entender isso como uma forma de nos manipular para ter suas vontades atendidas. E eu até acho que esse raciocínio é coerente, tem fundamento, mas quando o choro dele fica um pouco mais forte, ou prolongado, algo toma conta da minha razão, falando mais alto. É meu instinto, que me diz que meu filhote precisa de mim. Não tem razão que baste nessa hora, a gente não pensa pra agir. Então eu vou e faço o que sinto que preciso fazer. Depois de muito diálogo, eu e o pai nos entendemos também. E eu passei a me preparar melhor pra quando peço para ele ir no quarto no meio da madrugada. E foi quando as coisas, que já estavam começando a fluir, só melhoraram. Sinceramente eu acredito que até ele completar um ano estaremos dormindo os três a noite toda...

Para além do sono, esse mês foi de novidades: Luca anda demonstrando uma (ainda tímida) vontade de andar, e fica se escorando nos móveis, de um lado pro outro, testando o movimento. Tem horas que ele se levanta do chão e olha pra gente, com o nítido impulso de sair andando, mas ainda sem saber como... Ou então morre de rir quando consegue passar de um móvel para o outro. Um barato, hehehe. Ele está cada dia mais explorador, e se movimenta por todos os cômodos da casa, ora pra seguir a gente, ora pra procurar alguma coisa pra fazer... Tenta abrir gavetas, ver o que tem dentro, tirar se for possível e, claro, por na boca se ninguém estiver olhando. O canto preferido dele ainda continua sendo a nossa estante de livros, e é incrível como ele se acalma quando está chorando e a gente leva ele lá. Ficando no colo, ou no chão, é distração certa pra ele.


Nessa de ficar explorando, claro, tivemos que tomar alguns cuidados, um deles botar aquela bendita cerquinha de cachorro na entrada da cozinha, pra gente poder fazer algumas coisas com tranquilidade com ele acordado... ele nem reclama muito, e às vezes faz até graça. 

Ele também anda treinando loucamente o gesto de tchau, e fica balançando a mãozinha frenética e descoordenadamente, tentando imitar o nosso movimento. Olha, olha, olha, e quando vai fazer, sabe que não chegou lá. Mas que vai chegar, ah se vai, rsrsr... Mas o melhor de tudo é ele balançar a cabeça em sinal de não. Não quero mamar (esse é raro, rsrsrs), não quero por a roupa, não quero dormir, não quero entrar no carro... e por aí vai.

As aulas de nenemzês andam cada dia mais puxadas: além das sílabas, agora ele põe entonação na voz, tentando expressar seu estado de espírito em relação a alguma situação. Outro dia peguei ele tentando falar algo parecido com pãpãpã, tipo papai e, além disso, ele tenta estabelecer umas conversas. Se a gente entra na dele e utiliza a mesma linguagem, ele vai embora na falação. Ainda bem que eu acompanhei as aulas desde o princípio, lá no terceiro mês, quando tudo começou...

Falando em papai, o modo velcro, notado no mês passado, segue firme e forte. Impressionante como ele é ligado no Edu. Aquele papo de que as crianças só enxergam as mães até os dois anos não se aplica com Luca. Ele adora o pai, quer ficar perto, quando o vê de noite pula pro colo dele e ai de mim que tente tirá-lo e ir pra outro ambiente. Protesto já!

Na parte de alimentação, nada de novo no front. Como muito bem na creche, durante a semana, e mama enquanto está comigo. No fim de semana faz um dengo querendo mais peito que comida, e a gente optou por não forçar a barra com o bichinho. Afinal, não corre o risco de falta de reservas, se é que vocês me entendem... Mas Luca tem se interessado mais pelo que a gente come, então quando saímos pra almoçar, temos tentado ir a lugares que possamos compartilhar pelo menos parte da comida com ele. Assim ninguém se estressa e ele fica bem alimentado. Nessas andanças, ele já comeu verdurinhas do restaurante japonês, acompanhamentos do restaurante de carne do sol e guacamole do restaurante peruano. Nesse último ele se empolgou pra comer e a gente achou o máximo, mas no final eu e Edu começamos a sentir o baque da comida salgada e muita, mas muita sede... Imagina ele, então... rsrsr


Mas nem todas as novidades foram boas esse mês. Depois de pouco mais de um mês frequentando a creche, Luca sentiu o baque da rotina e resistiu intensamente a ficar na creche durante alguns dias... Ele já vinha dando alguns sinais de que isso ia acontecer, e eu já estava sentindo que esse dia estava chegando. O grude excessivo, o choro fácil, a reclamação quando eu ou o Edu saíamos de perto dele. E, quando fui deixa-lo na creche, um belo dia, ele chorou, e não foi pouco. No dia que se seguiu ele chorou de novo,  e aí eu chorei também, pela impotência de não poder fazer nada por ele na situação atualmente estabelecida.

Fico tentando me convencer que isso faz parte do amadurecimento dele, do processo de crescimento e de compreensão de que o mundo – e eu – não giramos somente ao redor dele. Mas parte de mim fica sempre questionando se ele precisa amadurecer tão cedo assim... Sei que existem teorias que explicam que não ter a mãe sempre perto é bom pro crescimento emocional da criança. Mas sabe aquela história do instinto que eu tava explicando lá em cima? Que teoria dá conta de explicar isso?

Provações à parte, foi um momento muito delicado, mas que passou. Passei a pensar o seguinte: se nós, adultos, não estamos iguais no nosso humor todos os dias, por que os bebês, que são seres muito mais sensitivos, ficariam? Isso me deixou mais tranquila pra lidar com ele, com uma eventual resistência, e mais atenta com todo o processo que envolver o despertar, o preparar para sair e o caminho até a creche. Tenho feito desses momentos um espaço pra gente se conectar, e ele ficar seguro de que eu vou, mas volta. O resultado? Luca ainda tenta voltar pro meu colo toda vez que eu deixo no chão, mas voltou a sorrir ao se despedir de mim.

Bem, mas como se não bastasse esse estranhamento, mininu ainda arranjou sua primeira virose “escolar”, com direito a febre e uma semana matando aula. Nesse ínterim, ele não bobeou e aproveitou todo o peitinho a que tinha direito, quase voltando aos dias de amamentação exclusiva. Eu não me incomodei, por óbvio nem forcei a barra pra ser diferente, mas fiquei preocupada como seria o retorno à creche. Pra logo depois relaxar e entender que isso era puro oportunismo, rsrsrs... E, assim, tão logo voltou à creche, retomou seus hábitos alimentares. Ainda tivemos que conviver com alguns episódios um tanto escatológicos, com ele expelindo o catarro que  sobrou através de vômitos homéricos, mas vendo isso como um sinal de que o corpo estava em processo de recuperação.

E, como as novidades nunca param quando se trata do nosso personagem, estamos na virada do mês às voltas com um gurizinho dengoso, carente e incomodado com algo que eu suspeito seja um dente... Mas isso, a gente só vai ficar sabendo quando for contar o penúltimo mês do seu primeiro ano de vida...

sexta-feira, 9 de março de 2012

Para ter filhos, não bastam as boas intenções


Ontem foi divulgada, pelo Correio Braziliense, matéria a respeito de pai que foi parar na delegacia por estar espancando uma criança de 3 anos – coincidentemente seu filho – em um local público – a escola que o menino freqüenta. O motivo? A recusa do guri em entrar na escola. O sujeito, não contente em ter exposto o menino a uma situação vexatória, de apanhar em público, ao ouvir críticas e pedidos para que parasse com aquilo, foi para o banheiro da instituição, tirou o cinto da calça e passou a desferir novos golpes.

Com 3 anos, é o tipo de cena que pode nunca mais se apagar da memória do menino. E, com a sociedade informatizada, é bem possível que daqui a 10 anos, numa inocente pesquisa para a escola, ele consiga acessar a repercussão que o fato teve nos meios de comunicação. Fico pensando no reflexo disso para a relação entre pai e filho e, mais, para a integridade emocional desse menino, que contará então com 13 anos, e os sentimentos que isso pode lhe provocar – desde vergonha pela exposição até ódio daquele que aprendeu a chamar de pai. Fico pensando ainda mais no que ele irá pensar dos comentários deixados na página virtual pelos leitores da matéria, completamente fora de sintonia com o respeito aos direitos humanos, aplaudindo o ato do pai em “corrigir” o filho, em tratá-lo como se fosse um objeto de sua propriedade.

Causa espanto, pelo menos pra mim, que existam pessoas que ainda defendem agressões físicas como método educativo nos dias de hoje. Um dos argumentos é que as crianças de hoje são muito inteligentes e manipulam os pais para fazer valer sua vontade. Sim, é verdade, mas não são só as crianças que lançam mão de inteligência para fazer valer suas vontades. Isso é do ser humano e, desde que não coloque a vida de ninguém em risco, ou prejudique terceiros, não é necessariamente uma característica negativa. Mas eu penso que o que ocorre hoje, e muitas vezes desconcerta os mais velhos, é que as crianças de hoje são MAIS inteligentes que as de outras gerações, em função de uma série de desdobramentos da nossa sociedade contemporânea, do excesso de informação, da velocidade dos acontecimentos, das tecnologias disponíveis para interação humana. Meu filho de 9 meses, por exemplo, se comunica muito bem com os avós que moram longe, via Skype. Ele sabe que tem alguém naquela tela interagindo com ele e corresponde como se estivesse ao vivo – inclusive tentando “pegar” neles.

A pediatra dele, por outro lado, que já acompanhou pelo menos duas gerações de bebês, diz que a atual funciona melhor se você souber explicar – em poucas palavras, é claro – o porquê de ter que fazer ou não poder fazer algo. Que a simples ordem já não satisfaz, mas que a capacidade de dialogar que for demonstrada pelo adulto é bem vinda. Eu complementaria dizendo que eles podem nem entender exatamente o sentido de cada palavra dita, mas percebem muito bem a disposição afetiva, o tom de voz tranqüilo e a paciência exigida num processo educativo que precisa acompanhar a maturidade emocional e intelectual de cada criança – e que leva muito, mas muito mais que 3 anos, quando eles estão ainda começando a falar com mais desenvoltura. E eu nem vou entrar no mérito de que cada ser humano tem um ritmo particular e único...

O que tem me parecido, a partir de fatos como esse e da resistência a iniciativas de punição dos castigos corporais contra crianças e adolescentes, é que diante dessa nova geração, os adultos emburreceram e não sabem como agir. E acreditam que fazendo como seus pais e seus avós faziam, conseguirão educar essas crianças. Bem, o conceito de educar é muito amplo, mas quem aceita a existência da agressão física como método chega a argumentar que é só um corretivo, que uma palmada não tem problema. Muito provavelmente a Isabela Nardoni, aquela criança de 6 anos que foi jogada pela janela pelo pai e pela madrasta, deve ter começado seu caminho até a morte apenas levando umas palmadas.

Para gerar um filho, basta uma relação sexual, com amor ou não, um óvulo e um espermatozóide.

Para trazê-lo ao mundo de forma respeitosa e consciente, na sociedade das cesarianas agendadas e nascimentos em série, é preciso buscar um pouco mais de informação.

Para cuidar dele enquanto ainda é um bebê, agüentando as noites mal dormidas, interrompidas por muitos meses e mantendo o pique na manhã seguinte e nas demais, ouvindo vários tipos de choro como única forma de comunicação, além da necessidade de contato físico constante e quase permanente que os bebês possuem, dada sua fragilidade, é necessária uma dose cavalar de paciência e visão de que isso é um momento muito breve perto do resto da vida que vem pela frente.

Para educá-lo para ser um adulto saudável e capaz de confiar nas pessoas, ao invés de ver o mundo como um lugar hostil, em que o mais forte oprime o mais fraco e a violência é uma forma legítima de fazer valer suas vontades, não bastam boas intenções. É preciso usar a inteligência e saber que o exemplo vem de casa.

Definitivamente, ter filho não é pra qualquer um.

A repercussão do caso, somada com o debate sobre a lei da Palmada que está em tramitação no Congresso Nacional, me faz lembrar do momento da aprovação da Lei Maria da Penha e da resistência do velho pensamento à punição pretendida a quem batia em mulheres, argumentando que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Pois bem, a lei foi sancionada, passou a viger e hoje, 6 anos depois, temos um cenário em que a questão é levada muito mais a sério por homens e mulheres e tratada como assunto de ordem pública e não privada. Que o mesmo ocorra com a Lei da Palmada, e que quando esse menino de 3 anos espancado pelo próprio pai, tiver idade para saber e entender o que aconteceu a ele, vivamos numa sociedade que já esteja punindo os castigos corporais supostamente educativos contra crianças e adolescentes, acabando com a tolerância a esse outro tipo de violência doméstica, hedionda e absolutamente ineficaz para alcançar os objetivos propagados por seus defensores.