sábado, 11 de fevereiro de 2012

A segunda separação.


Nesse intervalo entre um mensário e outro de Luca, achei por bem falar de uma experiência pela qual passam a maioria das mulheres que se tornam mães, que é o momento do retorno ao trabalho e as alternativas que se abrem para o cuidado da cria. Aqui em casa sempre foi ponto pacífico de que, finda minha licença, que duraria 7 meses – em função do local onde trabalho e de um mês de férias acumuladas -, Luca iria para a creche.

No nosso entendimento, ele estaria mais bem assistido numa instituição, onde há diversas profissionais contratadas segundo sua qualificação, um projeto pedagógico e espaço físico amplo, além da presença de outras crianças, do que sozinho, em casa, com uma babá. Primeiro pelas histórias horrorosas que ouvimos por aí. Segundo pela dificuldade de encontrar alguém com preparo para cuidar de um bebê que não seja: (a) deixando-o na frente da TV o dia todo; (b) com uma chupeta na boca; (c) no colo; (d) ouvindo música de qualidade duvidosa.

Evidente que não critico nem julgo quem faz essa opção, porque sei que está pensando no melhor pros seus. Mas a nossa era outra.  Por isso que quando ele ainda tinha uns 3 meses, eu saí à caça de lugares para, ao final, fazer uma escolha. E estive em muitas creches de Brasília. Das mais baratas às mais caras, das melhores às piores. Vi crianças sendo deixadas chorando, vi sobrados apertados cheios de escada onde circulavam mulheres carregando bebê no colo, vi mulheres gritando com as crianças na esperança de disciplina-las, ouvi musica sertaneja, brega, além de ver crianças hipnotizadas na TV. Vi formas muito automatizadas de cuidado, sem afeto, sem vínculo. Cheguei a ficar preocupada se encontraria um lugar em que me sentisse descansada em deixar meu filho passar o dia.

Mas encontrei Shangri-lá, sim, e logo numa das primeiras buscas. O que, creio, foi minha grande sorte, pois, ao entrar numa lista de espera, acabei tendo uma chance maior de ser chamada. Mas isso aconteceu aos 45 minutos do segundo tempo. Eu já tinha feito várias incursões em creches, e ainda não tinha sido chamada em nenhuma. Até que um dia, conheci um lugar que era 90% tudo o que eu podia querer, e que tinha vaga. Matrícula feita, vamos aguardar o início das aulas, não é mesmo?

Não, pois alguns dias depois, recebo a ligação de Shangri- lá, chamando Luca para fazer parte daquele pequeno paraíso, no qual as necessidades das crianças vem em primeiro lugar, e pais que querem apenas um lugar para despejar seus filhos e não se responsabilizar por eles a maior parte do dia, não tem espaço, pois a creche é bem criteriosa com relação ao período de adaptação e o bem estar da criança nos demais dias. Ou seja, nada de deixar chorando, nada de terror psicológico, só muita atenção e carinho com esses serezinhos que não pedem muito, mas que tem tanto amor pra dar pra gente. Um lugar com pessoas dispostas e preparadas para receber, entre outras coisas, esse amor.

E o melhor: nada de música sertaneja, nem TV nas sala. Nada de escadas, muita área ao ar livre, com muito verde. Comida gostosa e saudável, bom espaço pra dormir, muito espaço pra brincar sem se machucar. E mais: entre todas as BOAS CRECHES que visitei, era das menos caras. Se bem que eu cheguei à conclusão que esse negócio de preço é relativo: o preço da creche é quase o mesmo da escola que a filha mais velha do Edu estuda, de ensino médio. Só que na sala do Luca são uns 8 bebês, na sala da Letícia, 40 adolescentes. A creche do Luca fornece 4 refeições diárias pra ele, a escola dela, nenhuma. Ele toma banho, tem lugar pra dormir, e muitos brinquedos, sendo que a gente só tem que levar UM brinquedo e UM livro. Pergunta quantos livros ela tem que comprar por ano...

O ideal seria que tanto ela, como ele, tivesse acesso a serviços públicos de qualidade, e que eu e Edu pudéssemos ter um respiro no orçamento no fim do mês. Mas a vida real não é essa, então é melhor que ambos estejam em locais onde possamos confiar que os objetivos que desejamos, serão alcançados.

Bem, feito o preâmbulo, é preciso dizer que, na prática, Luca passou a frequentar a creche pra valer no começo do seu nono mês. E isso tem um significado temporal e no seu desenvolvimento. Ele já consegue entender algumas coisas, e a partir de agora, terá passado mais tempo fora da minha barriga do que dentro, e assim até o  fim dos seus dias – e dos meus.

E isso me leva a pensar em falar de separações, já que foi esse mês que se consolidou nossa nova rotina, comigo trabalhando em tempo integral e ele, na creche, idem. Sua adaptação em Shangri-lá foi perfeita: o tempo mínimo estabelecido pela direção da creche, sem choro, sem manha, sem sofrimento. Pelo contrário, pois todas as manhãs ele literalmente pula para o colo das educadoras da sua sala, que são apaixonadas por ele. E ele, pelo visto, corresponde muito bem.

E, ao contrário do que se espera, muitas vezes, de uma mãe, pra mim também não. Fica só a saudade de apertá-lo e estar perto dele o dia todo, mas isso ele também sente e é super saudável para nós dois que seja assim.

O nosso vínculo é tão forte que, quando eu chego pra busca-lo, ao ouvir minha voz, ele se vira de onde estiver em minha direção e corre engatinhando. Quando chega, se levanta e gruda nas minhas pernas, esperando eu pegá-lo no colo e dar o peitinho, claro. Ele sempre mama antes de entrarmos no carro em direção à nossa casa, pois o caminho é longo e eu não o quero ansioso, reclamando, estressado por algo que pode ser resolvido com tranquilidade. Penso que essa é a única ansiedade que ele sente, porque ele chega com voracidade pra mamar,  e esvazia os dois peitos até a hora de dormir. Resultado: continuo produzindo leite igual, e sem vazamento, porque ele dá conta de tudo, não importando se acabou de jantar na creche ou não...

E os momentos separados? Bem, eu voltei ao trabalho no mesmo ritmo em que estava quando saí de licença; as tarefas por ali não diminuíram, nem o meu espaço, um receio que eu tinha e que acho que é compartilhado por 100% das mães que trabalham e que desejam se manter assim após a licença. Não foram poucas as histórias que ouvi de mulheres demitidas durante a licença, no melhor estilo “curta seu bebê, e quando acabar o período de licença... continue curtindo”. Cruel, desigual, ilegal e imoral: esse é o mundo machista e patriarcal em que vivemos, no qual o cuidado com a prole recai sobre as mulheres e as renúncias decorrentes são esperadas delas também.

Ainda bem que aqui em casa a banda toca um pouco diferente e o Edu tem disponibilidade emocional e profissional para assumir o comando quando eu tenho questões a serem resolvidas no trabalho. Nesse ponto, estamos nos entendendo muito bem.

Luca, por sua vez, faz o que é esperado de um neném: brinca, brinca e brinca. Num espaço bem maior e melhor que nosso “apertamento”, onde não há brinquedos proibidos ou quinas perigosas. Existem pessoas aptas e com as quais ele se identificou para cuidar dele e, o que é mais legal, outras crianças, de várias idades, perto dele. Como não temos planos de outro filho, essa convivência é mais que desejada por nós para ele.

Claro que é difícil administrar o fato de que temos muito pouco tempo juntos e, honestamente, não consigo concordar que o que importa é a qualidade do tempo, não a quantidade. A quantidade, nesses dois primeiros anos da vida dele, importa, sim, e muito! É muito pouco estar com ele pelas manhãs, na correria de deixa-lo na creche e ir pro trabalho, e à noite, quando estamos ambos cansados e perto da hora de dormir. É muito pouco ter somente dois dias inteiros para ficar perto dele e em família. É injusto não poder acompanhar pelo menos o primeiro ano do seu desenvolvimento integralmente, sem ter que me preocupar com salario e emprego durante e depois desse período.

Eu sou uma pessoa que, além de precisar trabalhar, gosto do trabalho, e gosto do que faço. Não tenho disposição para perder essa dimensão da minha vida, nem para ficar com Luca. Pois ele também vai crescer e desenvolver seus próprios interesses e espaços que não me incluirão, isso faz parte da vida. Só penso que ele é muito pequeno para ficar tantas horas por dia longe de mim. E eu sei que ele sente isso, pela forma como gruda em mim quando estou perto, e reivindica minha presença e atenção. Ele já percebeu que eu vou, mas volto pra busca-lo, mas também deixou claro que não é indiferente a esse fato. E que bom que é assim, né?

E uma das maneiras mais claras que ele teve pra me dizer isso foram as noites. Estamos, desde o começo de 2012, dormindo muito pouco, acordando muitas vezes de noite e tendo que seguir com a rotina, procurando manter o bom humor. Mas Luca me demanda muito, e não quer saber do pai em determinadas horas. Ele, esperto que é, entendeu que são as madrugadas os momentos em que eu estou perto e desocupada, então resolveu aproveitar para ganhar um denguinho, um colinho. E eu, apesar do cansaço extremo em que me encontro diante dessa situação, não reclamo, pois é um tempo de adaptação muito pequeno diante da vida toda que temos pela frente – ele e eu. E, no fim das contas, é um momento para, mesmo com sono, estar perto dele também.

Paradoxal, não é mesmo? Mas ser mãe é viver um eterno paradoxo, penso eu. É ser um em dois, é enxergar o mundo por olhos que não são seus, é descobrir o mundo pela segunda vez, com a diferença de que você agora compreende o significado disso. É viver permanentemente a dúvida da entrega incondicional a esse outro ser que, em algum momento, vai se separar um pouco mais de você, e depois um pouco mais, e ainda um pouco mais. E é se entregar mesmo assim, sabendo que a vida tem um pouco mais de sentido quando a gente se entrega sem esperar nada em troca.

A ida de Luca pra creche e minha volta ao trabalho marcam nossa segunda separação. E, mais uma vez, dentro do paradoxo, está nos unindo ainda mais... então, que venham as próximas, pois como eu digo pra ele sempre, com o tempo, a vida não fica mais fácil, mas vai ficando mais legal...

Um comentário:

  1. Oi Helo, tudo bom?

    Meu nome é Letícia, estou grávida de 6 meses do Felipe e li seu e-mail na lista da Paloma Terra (Luz de Candeeiro).

    Vim aqui ver seu Blog e preciso te perguntar... que creche maravilhosa foi essa que encontrou? Me passa a indicação?

    Abraços e parabéns pelo Blog e pelas reflexões tão sensíveis e sinceras sobre a maternidade.

    Letícia.

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