quarta-feira, 22 de junho de 2011

Há dores que vêm para o bem

Escrever sobre uma experiência tão marcante e importante quanto o parto, o primeiro parto, não é algo que dá pra ser feito da noite pro dia, muito menos com pressa. As tarefas imediatas implicadas no nascimento de um filho e o conseqüente esgotamento físico e mental pelo qual passamos após o parto exigem um tempo para que possamos nos recuperar e maturar esse processo, que mexe com emoções profundas... Desenvolvi a teoria de que o ideal seria que eles, após nascerem, dormissem uns três dias seguidos, sem precisar nem se alimentar, para que pudéssemos descansar e começar a jornada da maternidade com mais pique.

As emoções que vivenciamos durante o parto, pelo menos pra mim, não estavam na superfície imediatamente. Elas foram se apoderando de mim nos dias que se seguiram, com uma conseqüente descarga hormonal que me deixou muito, mas muito sensível. E, nesse ponto, o apoio, emocional e logístico (sim, porque as tarefas de casa continuam) do meu companheiro foi fundamental, pois assim eu pude viver o pós-parto com a mesma intensidade que o parto em si.

Então, as lembranças foram vindo aos poucos, até que eu conseguisse efetivamente me sentir disposta a pegar o computador e começar a escrever sobre elas. Ademais, a maternidade é uma vivência tão passional, que fica difícil encarar tantos sentimentos sabendo que a qualquer momento seu bebezinho pode acordar esfomeado e v. ter que interromper tudo o que está fazendo para atendê-lo.

Feito o preâmbulo, quero contextualizar um pouco como chegamos até aqui: eu e Eduardo, recém casados, nos vimos às voltas com a chegada de um bebê em agosto de 2010. Fazia pouquíssimo tempo que estávamos morando sob o mesmo teto e a notícia, apesar de já fazer parte de nossos planos e nossas conversas, nos pegou um pouco de surpresa. A alegria foi imediata, mas a adaptação foi um processo. Desde o começo eu tinha certeza que o queria perto de mim no momento do nascimento, me apoiando e participando ativamente do processo.

A preparação para o parto

Desde o começo eu tinha certeza que queria um parto natural. A idéia de sentir dor, apesar de me assustar um pouco, não me dava mais medo do que perder o controle dos movimentos no momento de trazer meu filho ao mundo. Por isso, não cogitei, ao longo da gravidez, a idéia de uma anestesia. Muito menos de precisar de uma cirurgia. Outras questões, como episiotomia, indução, hormônio intravenoso etc., fui assimilando aos poucos, ao tempo que ia fazendo escolhas e compartilhando-as com meu parceiro.

Edu sempre esteve totalmente envolvido na gravidez, interessado em saber o que estava acontecendo com meu corpo, com o bebê que crescia aqui dentro. Quando conversamos sobre que  tipo de parto teríamos, ele logo topou a idéia de acompanhar e participar de todo o processo, mas não curtiu a idéia de um parto domiciliar. O argumento dele era a preocupação de o bebê ou eu precisarmos de alguma assistência de urgência após o parto e não haver tempo hábil para uma transferência. Preocupação justa, admito.

Ao irmos atrás de um obstetra para nos acompanhar no pré-natal, tudo o que eu queria, era um que não forçasse a barra para uma cesárea com 39 semanas por um motivo qualquer – tem aos montes por aí – e respeitasse o plano de parto que ainda estávamos por escrever. E isso eu encontrei, felizmente.

Construímos uma relação bacana com nossa obstetra que, além de muito tranqüila em relação ao parto natural, à gravidez com mais de 40 semanas, demonstrou também ser muito respeitosa dos desejos da mulher desde a primeira consulta. Assim, quando lá pelas 24 semanas apresentamos um plano de parto a ela, não foi difícil que ela concordasse com tudo que queríamos para o momento. O problema mesmo seria o protocolo do hospital que elegêssemos para Luca nascer, e o setor de pediatria...

Visitamos duas maternidades, pesquisamos, ouvimos relatos, nada animador. Pediatras são bem duros nos procedimentos que adotam com recém nascidos, tratados como um saco de batatas. Sinceramente, isso sempre foi o que mais me preocupou. Sabia que teríamos algum controle sobre intervenções em mim, mas nele... enfim, continuamos em frente, cientes de que seria necessária muita determinação e firmeza para garantir que nosso pequeno fosse bem tratado quando nascesse.

As semanas foram passando e, numa dessas voltas que o mundo dá, quando conversávamos sobre o hospital para o qual iríamos na hora do parto, pesando prós e contras de cada um dos que tinham nossa preferência, eis que o assunto do parto em casa volta à tona e eu nunca me esqueço nosso diálogo, comigo dizendo que essa sempre foi uma opção pra mim e Edu me perguntando se ainda tinha como viabilizar isso. Significou muito pra mim essa atitude dele. Revelou que tínhamos construído um caminho e acumulado conhecimento suficiente para ele, enfim, se sentir mais seguro com essa opção, valorizando menos o que podia dar errado e mais os benefícios de ter nosso bebê dentro de casa...

Bem, mas nesse momento eu já contava com mais de 8 meses de gravidez e, para fazer a coisa acontecer, era preciso agir rápido. Disparei alguns emails para parteiras que tinha indicação aqui em Brasília e uma delas acenou positivamente com a possibilidade de acompanhar nosso finzinho de gravidez. Paloma é uma figura de semblante tranqüilo, mas de firmeza suficiente nos seus protocolos, nos deixando seguros de que não arriscaria um fio de cabelo meu ou de Luca caso tivesse que optar por uma transferência. E com ela seguimos até o dia 31 de maio, dia de Luca chegar ao mundo.

Entrando na partolândia... mas devagar quase parando

Antes do dia D chegar, porém, eu estava passando por altos e baixos emocionais que, por mais que me dissessem ser parte do processo, não estavam sendo legais de atravessar, não. A famosa “data provável do parto”, aquela que quando vai se aproximando a maioria dos médicos já deixa uma cesárea agendada, já tinha se aproximado e depois passado, e nada de contrações fortes e ritmadas, como requer um bom trabalho de parto. Só umas dorzinhas esparsas, leves, e que cessavam na hora que eu ia dormir... a parteira estava tranqüila, a médica, também, Eduardo mais ainda, só eu, que deveria ser a mais calma de todos, que não estava.

Nesse processo, pensei de tudo: que não era capaz de entrar em trabalho de parto, que algo ruim poderia acontecer com Luca se passasse de 40 semanas e termos que tirá-lo na faca, que meu sonho de tê-lo em casa viraria um pesadelo hospitalar, entre outros sentimentos os mais negativos possíveis. Aos poucos, fui domando um a um esses medos e procurando acreditar que sim, eu era capaz de trazer meu filho ao mundo, e que estava tudo bem com ele, não havia com o que se preocupar. Fui efetivamente mergulhando no universo da partolândia, e me preparando para me despedir da gravidez e da barriga. Eduardo me dizia que se tudo tinha dado certo até agora, não seria nos finalmentes que daria errado. Procurei me apegar a esse idéia e me conectar mais comigo e com meu filhote, ainda dentro da barriga, numa tentativa de me preparar melhor para o que viria... e relaxar... sobretudo, relaxar.

Oscilei bastante nesse meio tempo, é verdade. Tinha momentos que acreditava que tudo que estava acontecendo (as contrações fracas e sem ritmo, a fragilidade emocional, os pensamentos negativos...) eram sinais de um trabalho de parto na iminência de começar, e outros momentos que beirava o desespero de tanto chorar...

Na segunda feira, véspera do nascimento de Luca, disse pra Edu que achava que esse negócio de contrações fortes e ritmadas não ia acontecer comigo. Nesse dia, procurei descansar mais e trabalhar menos (sim, eu entrei em licença maternidade apenas no dia do nascimento de Luca, seguindo no mesmo ritmo até os últimos momentos. Era a minha receita de sanidade.). Passei o dia imersa em leituras, fui na sessão de acupuntura, onde passei um tempo maior que de costume, tentando me conectar comigo mesmo e com meu filho. De noite, fomos caminhar, eu e Edu, perto de casa, seguindo a rotina de exercícios adotada ao longo da gravidez.

No caminho, comecei a sentir movimentos diferentes, que pareciam ter algum ritmo, embora pouca intensidade. Paloma tinha me orientado a prestar mais atenção na intensidade que nos intervalos, pois isso balizaria a existência de trabalho de parto ou não... Procurei abstrair, apenas deixando as dores virem e irem quando quisessem. Voltamos pra casa, e elas continuaram por mais algumas horas. Eu já tinha sentido isso antes, e tinha cessado ao ir dormir, por isso não fiquei contando nem duração, nem intervalos, para não me frustrar caso não fosse nada.

Chegou, chegou, chegou... afinal que o dia dele chegou...

Quando bateu o sono, fui dormir. Mas quando acordei, mais de 4h da manhã, sem sentir nada, mergulhei novamente numa crise de choro. Eduardo acordou, procurou me consolar e me acalmar, mas eu estava inconsolável. Desabafei, falei pra ele de todos os meus medos e da única coisa que me acalmaria naquele instante: contrações, que começassem e não mais parassem. E de forma mágica, foi exatamente o que aconteceu. Eu não podia acreditar que, às 5h da manhã do dia 31 de maio, tudo estava começando...

Lá pelas 7h, decidimos começar a contar as contrações. As dores, ainda suportáveis, que estavam vindo mais ou menos de 10 em 10 minutos, passaram a ser de 3 em 3 minutos. Depois de uma hora nessa toada, ligamos para Paloma que nos perguntou se a presença dela já era necessária, e achamos que ainda não. Queríamos levantar, tomar banho, café, enfim, seguir com a vida.

Fomos até a padaria, andando, sentindo as contrações chegarem e irem embora, uma a uma. Aproveitamos para tirar as últimas fotos da barriga, que logo mais seria apenas uma boa lembrança. Perto da hora do almoço as dores apertaram e eu pedi a ele para ligar para a parteira vir. Sabia que demoraria um tempinho até ela chegar, e queria que ela estivesse aqui antes que a coisa ficasse insuportável. Na verdade, na verdade, eu não tinha idéia do que ainda estava por vir naquele dia...

Além da parteira, tínhamos uma fisioterapeuta, Patrícia, que também é prima do Edu, me acompanhando desde o começo da gravidez, com qual fiz aulas de hidroginástica e exercícios de fortalecimento da região pélvica, valiosos para garantir a integridade do meu períneo ao final do parto. Ela logo foi chamada também e acho que era hora de almoço quando as duas chegaram. Edu começou a viabilizar uma refeição para todos nós e eu me lembro de conseguir comer um prato não muito cheio, entre uma contração e outra. Foi minha última refeição grávida. Depois disso, só me lembro das pessoas me pedindo pra eu me alimentar, e de ter ficado muito fraca no final, me arrependendo de ter comido tão pouco...

No começo da tarde foi feito um primeiro exame de toque, em que eu estava com 4 cm de dilatação e o colo todo apagado. Luca estava a toda aqui dentro, com os batimentos cardíacos em cerca de 150 bpm, e assim ficou durante todo o trabalho de parto. Inclusive no final, quando eu já estava pedindo arrego, ele estava numa boa.

É difícil narrar o parto, porque, na verdade, se trata de viver uma contração atrás da outra. Literalmente como se diz, são ondas, que vêm e vão. Procurei relaxar o máximo que pude, brincar e interagir enquanto foi possível. Quando eu sentia a dor apertar, corria pra debaixo do chuveiro e lá ficava relaxando por um tempo, proporcional à intensidade do que eu estava sentindo. Num ambiente tranqüilo e acolhedor, e com muita massagem e apoio, foi possível levar a dor com alguma serenidade.

Em algum momento, porém, comecei a ficar sem posição. Pensava em deitar, mas era só inclinar o corpo que minhas costas gritavam, me dizendo que aquela posição era última que eu deveria adotar. Não me espanta que a experiência do parto normal hospitalar seja tão traumática para mulheres que passam por ela. É terrível sentir contrações deitada numa cama, por mais confortável que ela seja (e tem cama mais confortável que a nossa mesma?). O movimento é essencial para atravessar aquelas ondas todas, se repetindo sem você ver o final. Por isso se diz tanto que perdemos a noção do tempo... parece que existem apenas... contrações...

O paradoxo da dor

Umas das melhores definições que recebi sobre a dor do parto é a sensação de estarem rasgando suas costas. E a melhor que encontrei foi a sensação das minhas pernas querendo se separar do meu corpo... e essas duas sensações juntas crescem com o passar do tempo, como cresce.

Quando já não agüentava mais as posições de sempre, Paloma sugeriu que eu me apoiasse na bola, em cima da cama. Minhas pernas tremiam, eu me sentia bem fraca, mas resolvi tentar. E, nesse momento, me entreguei completamente. Eu saí de mim mesma e meu corpo, junto com Luca, se apossou de tudo que eu estava sentindo. Cada contração era um urro, um grito com a boca bem aberta, de muito fôlego, que eu não sabia dizer de onde estava vindo. Mas era uma forma de exorcizar o medo e chamar meu filho ao mundo, abrindo passagem para ele. Assim, percebi que estava entrando na última fase daquele processo, a mais difícil, mas a derradeira, e caí num choro intenso, porém de alívio.

Existia uma leve vontade de fazer força, mas resolvi não forçar. Resolvi deixar meu corpo me mostrar a hora de realmente fazer força. Fiquei nessa posição, recebendo massagem na lombar e nos ombros, por não sei quanto tempo, até que minhas pernas não agüentaram mais. Enquanto isso, Eduardo só me olhava, sorria pra mim, numa calma que eu não conseguia entender... Mas que me deixava feliz por ser assim.

Pedi para ir pro chuveiro, mas não durei nada lá, a dor já tinha me deixado desnorteada. Nessa hora achei que nunca mais ia parar de sentir dor, e que ia enlouquecer. A parteira me sugeriu sentar no vaso, disse que isso ajudaria um pouco a dilatação e eu poderia descansar. Me enrolei numa toalha, depois num casaco – já era noite e tinha esfriado – e lá fiquei.

Depois disso, Paloma me pediu para ir para a famosa banqueta de parto e eu, que achei que daria à luz numa dessa, não gostei da experiência, pois ela era muito baixa para mim, e eu ficava extremamente desconfortável. Mas ela insistiu e eu entendi que estava fazendo isso como forma de adiantar o trabalho de parto. Eu já estava com dilatação total, mas a bolsa continuava intacta. Não acreditei quando ela me disse, mas aí entendi que era por isso que as coisas estavam realmente mais lentas. O problema é que a dor era muita e estava realmente me incomodando.

Nessa hora, me lembro de pensar no hospital, de pensar numa anestesia. Justo isso, que desde o começo eu dizia não querer de jeito nenhum. Mas a dor nos tira um pouco da consciência e do rumo. É torturante, literalmente, por mais que saibamos que ela tem uma função. Só queremos que ela acabe.

A essa altura, ela me disse para começar a fazer força e não gritar mais. E, de repente, me senti recebendo uma descarga de adrenalina (segundo ela) que fez meu corpo começar a tremer por inteiro, de uma forma incontrolável. Eu já tinha saído de mim, mas naquele momento eu percebi que tinha perdido o controle. Eu só sabia o que fazer quando a contração chegava, pois percebia, a partir da orientação da parteira, cada canto da musculatura pélvica que tinha que movimentar.

E aí se sucedeu uma coisa muito louca: se antes eu queria que a dor parasse, aqui eu passei a desejar que as contrações viessem, logo, para que eu pudesse me movimentar e deixar meu filho nascer. Insuportável era esperar entre uma e outra, porque eu não conseguia raciocinar, porque meu corpo tremia, porque a minha sensação era que o tempo tinha parado. Contrações significavam movimento. E movimento, ali, naquela hora, significava vida chegando ao mundo.

Tentamos mais uma posição, deitada, numa tentativa de acelerar aquele expulsivo, mas não funcionou muito. Aliás, foi horrível, e a única coisa que eu me lembro foi ela me dizendo que eu era única pessoa que poderia fazer força e trazer meu filho ao mundo. Que nem tempo de ir pro hospital, fazer cesárea, dava mais.

Voltei pra banqueta e ela sugeriu romper a bolsa, pois isso, apesar de aumentar a dor, aceleraria o processo. Eu me sentia um farrapo humano: sem roupa, suada, chorando e louca para ter meu bebê nos braços. Claro que topei na hora, ainda que achasse que seria muito mágico trazer Luca ao mundo “embrulhado”. Todo o romantismo já tinha ido pro espaço. Só Eduardo, que continuava olhando pra mim e sorrindo, numa calma inacreditável... Bem, tenho certeza que sem ele não teria conseguido atravessar tudo isso. Foi uma experiência intensa também do ponto de vista da nossa relação, que acho que só serviu para fortalecê-la ainda mais.

Eu continuava fazendo força, Luca continuava com a corda toda aqui dentro, mas nada de sair. A parteira já tinha sugerido uma posição, no colo do Edu, que eu tinha certeza que não ia dar conta, tamanha minha dor; mas, como último recurso, concordei em tentar. E talvez devesse ter tentado antes, porque tanto a posição física, quanto a proximidade com o corpo dele, me fizeram relaxar como até então não tinha conseguido. Minhas pernas ficaram bem abertas, sem que eu tivesse que fazer força para isso, e meu corpo ficou totalmente apoiado nele, permitindo que apenas a minha pelve trabalhasse. E minha mente e meu coração puderam descansar, pois eu sabia que estava exatamente onde devia estar: dando à luz o meu filho, nos braços do meu companheiro que, de certa forma, também estava em franco processo de partejamento, de uma forma que ele mesmo talvez nunca tenha imaginado viver.

E aí se deu o clímax: num puxão, senti a cabeça dele. Outra contração, e aquela ardência conhecida como “círculo de fogo”, após o qual não há mais dor, apenas a prazerosa sensação de que uma nova vida está chegando ao mundo. A primeira separação de corpos de mãe e filho (sim, pois estou descobrindo que vamos vivendo muitas outras à medida que os dias passam...). Chegara o momento de nos conhecermos, de nos darmos boas vindas à nova vida que começará, para um e para outro. Luca saiu definitivamente e eu me lembro de dizer a Edu algo do tipo ‘nosso bebezinho nasceu!’. Nós dois ríamos muito, nos abraçamos, nos beijamos e, a partir daí eu só sabia rir, tomada de uma vontade imensa de tê-lo nos meus braços. Eu estava de costas para a parteira, e demorei alguns instantes para me virar. Isso porque Luca nasceu chorando bastante, mesmo preso ao cordão, e só de ouvir o chorinho dele, eu já sabia que estava tudo bem.

Juntos, enfim...

Na sequencia, mudamos de posição, para que eu pudesse pegá-lo no colo. Edu mais uma vez me aparou, e eu sentei na bendita banqueta de parto. Não conseguia dar-lhe o peito, porque o cordão umbilical era muito curto, mas ele estava ali, nos meus braços, e gritava, forte, como quem diz ‘mamãe, cheguei, cheguei’. Ele chegou gritando, expelindo mecônio, fazendo a maior bagunça na casa. Chegou para movimentar minha vida de uma forma que nada poderia chegar perto... Mais alguns instantes, hora de cortar o cordão. Papai convocado, morrendo de medo de machucar o bichinho.

Cordão cortado, hora de sair a placenta. Tudo o que eu queria era que ela saísse rápido. Queria deitar na cama, e pegar Luca no colo, olhar pra ele com calma. Meu desejo foi atendido... e que placenta gigante (que agora aguarda em nosso freezer virar adubo para alguma árvore , já que é considerada lixo hospitalar e não pode ser jogada em qualquer canto...).

Deitei na cama, sangrando muito ainda, e com a sensação de estar rasgada ao meio. Era o medo do que tinha acontecido com o períneo. O corpo todo tremendo, adrenalina lá em cima, mas dessa vez de alegria, porque tudo tinha dado certo. Tive que esperar mais um pouco até ser efetivamente examinada e, para minha alegria, nenhuma laceração que merecesse sutura. Nada de episiotomia, nada de pontos; apenas a natureza agindo, como tinha sido até ali.

O que se seguiu foram algumas horas para examinar Luca, pesá-lo e medi-lo. Com 3,550 kg e 52 cm, e uma cabeça com 36 cm de diâmetro (a média gira em torno de 33, 34 cm, pra dar uma idéia do que eu quero passar com essa informação...), ele foi para seu primeiro banho, no balde. De fralda e roupa nova, direto para seu bercinho, tirar um descanso merecido depois das corajosas 18 horas de trabalho de parto junto com mamãe e papai... Foi o tempo de arrumar nossa cama, receber algumas orientações sobre os cuidados pós-parto e com o bebê, e lá veio ele passar sua primeira noite no mundo entre mim e Eduardo, me inundando de uma alegria que eu nunca imaginei que pudesse sentir... Não preciso nem dizer que não preguei o olho, observando cada respiro dele (um pouco preocupada, é verdade, pois ele havia engolido um pouco de líquido, com mecônio, na hora do nascimento... mas expeliu tudo no dia seguinte, mostrando que não veio ao mundo para brincar), cada detalhe... Eu tinha, enfim, dado à luz um bebezinho muito lindo, e não via a hora da nossa história  começar...

Hoje, 22 dias depois dessa jornada ter se iniciado, posso dizer que o trabalho é muito, é cansativo e às vezes beira o desespero. Acordar de madrugada para dar de mamar, com os mamilos rachados, em carne viva, não é experiência nada romântica, como se pode imaginar. Mas os dias passam, as dores  também, e o que vai ficando cada vez mais presente é o vínculo entre mãe e filho, indescritível e inimaginável até que seja experimentado, suficiente para me fazer acordar todos os dias amando-o um pouco mais, e sentindo que o amor dele por mim também vai crescendo na mesma proporção...

PS 1. Muitas pessoas me parabenizaram pela coragem de um parto em casa, sem anestesia. Quero dizer que julgo mais corajosas as mulheres que optam ativamente pela cesárea, pois não deve ser nada fácil enfrentar um pós-operatório E cuidar de um recém nascido com uma cicatriz na barriga. Eu apenas deixei a natureza agir e optei por sentir dor uma única vez, ao invés de estendê-la semanas a fio.

PS 2. Parto em casa é algo muito incomum nos dias de hoje, é fato. Entende-se a gravidez quase como uma enfermidade, apesar do ditado, que deve ser cuidada por especialistas (como quase tudo na sociedade industrial). Mas nos reserva boas surpresas, como uma vizinha que bateu à porta no dia seguinte, nos dando parabéns pela chegada de Luca e dizendo que ficou ouvindo meus gritos do seu apartamento, na maior torcida para que tudo acabasse bem. Me senti quase como protagonizando o último capítulo da novela, emocionada com a sensibilidade dela.


Um comentário:

  1. Heloiza, que emocionante, que lindo seu relato de parto. Vim parar aqui por indicação da Lélia, no Sul 21.
    Lélia, gracias por indicar.

    Cláudia

    ResponderExcluir