segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Um fim de semana corporal


Esse fim de semana participei de duas oficinas que vinha produzindo há alguns meses, com a Claudia Rodrigues, figura que eu só conhecia virtualmente, mas gostava muito do que lia. Ela foi especialmente significativa durante os meus pródomos, período mais conturbado e sofrido da gravidez toda, quando eu desconfiei que poderia ser incapaz de parir. E o que ela dizia a respeito do parto e do nascimento fez muito sentido e me colocou pra refletir e me concentrar para aquele que foi um momento tão especial e transformador na minha vida.

Pois bem, a dita é uma terapeuta reichiana que direcionou seus estudos e suas práticas para as questões teóricas que dizem respeito ao mundo da maternidade e da criação dos filhos. E eu, na minha ânsia por uma maternidade baseada no conhecimento, obviamente me fascinei pela proposta quando a conheci. E fiquei indo atrás de gente pra me ajudar a organizar a vinda dela até aqui. No mais, seria a oportunidade de conhecer ao vivo alguém que me ajudou tanto e com quem eu passara a trocar ideias no mundo virtual. E não me arrependi. Não tinha como, nos identificamos muito.

A produção em si, porém, demorou um pouco até tomar forma, ter gente disposta a organizar, mas acabou saindo. Aconteceu num espaço super alternativo de Brasília, cedido por uma das que topou organizar. Tinha uma atmosfera meio abandonada, uma meia luz, eu achei aquilo perfeito quando vi. Achei que o clima intimista para a vivencia que a Claudia oferece com seu trabalho ficaria facilitado naquele local. E assim foi. E hoje, segunda feira, senti vontade de compartilhar um pouco as impressões desse momento.

As explicações sobre o quanto o desenvolvimento da criança desde o útero até os 6 anos de idade moldam o corpo do indivíduo e influenciam o seu comportamento fizeram muito sentido pra mim e me proporcionaram um mergulho dentro de mim mesma, deixando claras algumas posturas que me acompanharam – e perseguiram – nesses últimos 32 anos. Cada uma das fases, muito marcadas, transparecem mesmo na criança – quando a gente tem filhos é mais fácil visualizar, eu acho – e na verdade o principal é a gente acompanhar, conduzindo aqui e ali quando necessário.

Fiquei pensando muito no que foi feito comigo nesses anos, pois é obvio de que de muitas coisas eu não lembro, outras eu possuo os relatos, o que já ajuda bastante a entender. Mas o principal foi olhar para essas explicações dos tipos segundo a expressão corporal quando a relação se dá com o momento do parto. Ficou claro porque eu tinha tanto medo de não conseguir parir, onde tudo poderia ter dado errado, e acabou dando certo porque eu consegui, sem saber, fazer exatamente aquilo que eu precisava fazer para chegar onde queria. Se vier a ter outro filho, com certeza as coisas serão muito mais fáceis. Muito mais.

Os insights da vivência me ajudaram a olhar pra trás e perceber o que eu meu corpo diz sobre mim. E o que ele pode vir a dizer. Mas, mais do que olhar pra trás – e eu senti que ainda preciso olhar mais pra mim sob essa perspectiva reichiana -, foi poder olhar pra frente, olhar para a criaturinha que eu gestei dentro de mim, que ainda não chegou aos 2 anos e tem uma longa estrada pela frente. É um livro em branco, um HD vazio, e cujo conteúdo ainda depende majoritariamente de mim para ser formado. As informações que eu recebi foram valiosas nesse sentido. Algumas, óbvias desde sempre, como não bater na criança, foram apresentadas com uma explicação corporal que foi muito além das justificativas éticas, filosóficas e antropológicas. Bater numa criança tem impactos na forma como ela vai se posicionar diante do mundo, corporalmente falando. Agressões verbais, idem.

Não dar a uma criança o que ela precisa em cada uma de suas fases produz, por sua vez, um efeito duplamente perigoso: de um lado, a falta dos estímulos quando eles deveriam acontecer (a simbiose, o colo, o peito, a autonomia, o lúdico) vão aparecer mais na frente de outras maneiras. E aí vem a crise por ter que deixar na creche, e a crítica sobre as creches estarem muito distantes do padrão ideal de desenvolvimento infantil. As creches, como instituições, tem suas regras, e regras reprimem os instintos. E para seres sensoriais isso é muito temerário. Mas, como receita de bolo só serve mesmo pra fazer bolo, é claro que a leitura sobre tudo isso não é absoluta. Cada ser é um ser, cada binômio também é único, e aos poucos vamos descobrindo o que funciona e não funciona. Nesse ponto, a perspectiva das inscrições corporais é o ponto de partida, não de chegada. Adorei.

Bom, mas o outro efeito que a falta de sintonia com as fases do desenvolvimento pode produzir é nos pais, que na ânsia por recuperar o tempo perdido, querem compensar uma fase em outra, embolando o meio de campo do desenvolvimento e produzindo na criança alterações comportamentais como sentimentos de raiva e traição. É o caso clássico dos pais que não deixam de tratar como um bebezinho uma criança que já está praticamente aprendendo a ler.

Claro que ninguém quer o pior para o filhos, que a gente faz tudo tentando acertar. E cada criança tem seu ritmo. Umas são mais adiantadas, outras demoram mais. Mas às vezes a gente nem se percebe nos excessos, não se dá conta de que nossa ansiedade está nublando nossa visão sobre o mais importante: a felicidade da criança. Não nos damos conta que nossas projeções, especialmente sobre aquilo que consideramos que faltou em nossa própria infância, nos faz pensar enganosamente que a criança precisa de mais, mais e mais. O fundamental é olhar nos seus olhos, observar seu comportamento, seu interesse pelo mundo.

Uma das coisas que mais me fascina na maternidade é a sensação de estar descobrindo o mundo pela segunda vez, mas pelos olhos do meu filho. A surpresa com que ele olha para cada coisa que descobre, a atenção para tarefas que nosso mundo adulto considera banais (como encher e esvaziar uma caixa, por exemplo) são mostras de um ser que está se construindo para viver nesse mundo, que está procurando aquilo que faz sentido para si. E que te procura o tempo todo, querendo sua aprovação, querendo sua ajuda. Ele não terá lembranças desses momentos, mas eu terei. E quero olhar pra trás tendo certeza que fiz tudo que estava ao meu alcance para que o mundo fosse visto por ele como um lugar, no mínimo, interessante para se viver.

Ao aliar esse meu sentimento ao conhecimento que adquiri nos últimos dois dias, percebo o quanto pode ser mais simples criar um filho se nós nos concentrarmos nas necessidades dele, não naquelas que nós achamos que são as necessidades dele. Claro que existirão situações complexas, que nos colocarão a pensar e refletir se estamos indo pelo caminho certo ou não, mas os olhinhos deles não deixarão dúvidas. Basta olhar. Basta atentar. Quando erramos, é porque provavelmente estamos com medo de passar de fase. De deixa-los passar de fase. Porque isso dói, por mais que seja necessário. E eu suspeito que doa ainda mais quando eles ficam maiores, porque da autonomia passamos à necessidade de independência, e é quando a separação se completa.

Por isso é preciso ter coragem. Coragem para olhar nossos pequenos quando são pequenos, e dar a eles o que precisam quando pequenos. Coragem para admitir que estão crescendo, e proporcionar a eles vivencias que os façam crescer da forma mais saudável e feliz possível. Coragem para reconhecer que vamos cometer erros, e que esses erros podem marca-los de forma indelével. Mas é preciso coragem também para admitir o erro e buscar a reparação. Pois como a Claudia mesmo nos disse, só não há reparação para a morte.

Esse fim de semana falamos de todos esses assuntos. Foi uma vivencia muito intensa, muito rica, muito interessante. Foi ótimo conhecer outras mulheres fortes, interessadas numa maternidade cada vez mais ativa, cada vez mais conectada com seus pequenos. E sem que isso signifique abrir mão de suas próprias dimensões.

E foi melhor ainda chegar em casa, ver marido e filho conectados e com saudade de mim. Ver o filhote me olhando com aquela cara de namorado apaixonado que ele me dá de vez em quando, falando mamãe e olhando nos meus olhos e rindo, rindo de alegria porque eu estava ali, de volta. E foi emocionante olhar pra ele depois de tantos aprendizados e sentir que sim, eu estou entendendo um pouco mais sobre ele, sobre mim, sobre nossa relação. Fiquei com a sensação de que estava olhando meu filho de um jeito totalmente novo, mais nítido, mais lúcido, mais consciente. Foi como quando coloquei meus óculos pela primeira vez: um novo mundo se abriu para mim, mais nítido, colorido e vibrante.

5 comentários:

  1. Mas guria, que fofa, que querida e como escreves bem. Adeus aluna, que venha a parceria.

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  2. Muito bom. Amei...estou esperando a vinda dela pra cá tbm.

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  3. Que bonito! Olhar demoradamente para nossos pequenos, auscultando, realmente nos ensina muito. :)

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