domingo, 16 de dezembro de 2012

Rasgando os medos

Hoje a postagem é um pouco diferente... Não faz parte do meu costume nesse blog publicar escritos de outras pessoas, mas esse relato de parto da Elisa Costa realmente me tocou... além de eu ter me identificado com vários sentimentos que ela descreveu, a forma como ela elaborou as lacerações que teve é digna de uma mulher que encontrou seu lado mamífera no momento em que se tornou mãe da Maya, no dia 29 de outubro desse ano de 2012. Nós nos conhecemos por meio de um grupo eletrônico de mulheres de Brasília que pariram em casa, ou planejam fazê-lo. Já citei esse grupo numa outra postagem e no quanto ele tem sido enriquecedor para minhas vivências e conhecimentos... Bem, a autora encaminhou o relato no dia 12.12.12 e me autorizou a publicar, e por isso eu compartilho essa história com quem costuma frequentar esse mural eletrônico...

(...)


"Transformação, foi essa condição mais marcante da minha gravidez. Antes de confirmá-la já havia algo em mim que indicava que muitas mudanças iriam acontecer. Oscilando entre o desejo de ser mãe e o medo de assumir a maternidade descobri-me grávida e um novo mundo se abriu. Era uma menina, muito embora minha intuição confirmasse a espera de uma princesa, o racional aliado com toda a sabedoria popular, do tipo: “você está com cara de menino, olha sua pele..!” me confundiram, não confiei no meu feling, até confirmar que Maya estava a caminho. Dei-lhe o nome de uma deusa indiana por sua simbologia e poder: tornar o impossível possível. E a espera trazia algumas certezas, que ela viria com a força de uma devi, a força para transformar-me, transmutar-me, mudar meu mundo, minhas convicções e por isso tinha certeza que ela chegaria sob a energia do signo de escorpião, que representa a morte a transformação.

A gestação preparou-me num processo de emponderamento aliado ao desejo de que Maya chegasse ao mundo de forma amorosa e respeitosa. Sabia que seria preciso mobilizar muita energia para um parto humanizado, sair do modelo obstétrico convencional e todos os procedimentos intervencionistas desnecessários. Apresentada por uma amiga, foi assim que a enfermeira Iara Silveira entrou na nossa história. No quarto mês de gestação consegui levar Juan a palestra aberta para esclarecimentos sobre o parto domiciliar. E aí nasceu o embrião da ideia de parir em casa, parir dentro daquilo que acreditávamos. Juan topou e embarcou comigo nessa jornada. Seguimos com o pré-natal convencional com um obstetra e planejamos começar o pré-natal com a equipe da Iara quando completássemos 30 semanas de gestação. O plano inicial era ir a Brasília para ter nosso parto na casa de uma prima do Juan. Entretanto a história foi ganhando outros contornos. Existia também a possibilidade da ausência da Iara na data em que eu completaria 40 semanas e isso acendeu a alternativa de seremos assistidos por outra enfermeira, também de Brasília, juntamente com uma doula experiente. A Iara se dispôs a participar do parto se ela estivesse em Brasília na data, Anápolis fica a 150 km da capital federal. 

Começamos o pré-natal na 30 semana e tudo indicava um parto normal já que a gravidez era de baixo risco. A Iara contactou outra equipe de apoio para sua eventual ausência, dessa vez de Goiânia – 50 km de Anápolis. E assim conhecemos Diego e a doce Marcela, enfermeiro e doula.  Na 38 semana tivemos uma consulta em casa com toda equipe e acertamos os detalhes do parto em casa. Como todo parto domiciliar planejado precisávamos de um plano B em caso de emergência e uma possível transferência para um hospital. Assim procurei um médico amigo e coloquei-o a par do plano de parto domiciliar e pedi-lhe apoio em caso de transferência para uma cirurgia. Deixei de trabalhar na 37 semana e a essa altura já existia toda um energia de ansiedade em volta de mim, e ouvir coisas do tipo: “sua barriga está baixa, hein!?”, “de tal dia não passa”, etc e outras coisas tão comuns ao fim da gravidez. A essa altura eu já dava sinais típicos que o parto se aproximava, tal como a vontade de ficar no ninho, não ver e falar com ninguém, sentia toda a minha parte animal, instintiva ativa, aquilo que negamos tão facilmente na nossa vida cotidiana.

Chegamos a 40 semanas pela DUM (Data da última menstruação) mas a equipe e o obstetra contavam a partir do primeiro ultra que apontava 39 semanas.  Aí sim a ansiedade começou a me consumir e o prazo de validade, me sentia como um iogurte na geladeira com data para vencer, da minha gestação não parava de martelar na minha cabeça. Apesar disso tudo a proximidade com a mudança da lua cheia e a coincidência dessa data com a contagem da 40 semana me deixava um pouco mais acalentada. Um pouco antes dessa data escrevi uma carta para Maya e conversava muito com ela pedindo sua chegada e contando que estávamos a sua espera com muito amor. No domingo, véspera do parto, combinei com a Maya que o dia seguinte era o grande dia, o dia de nos conhecermos. Para engrenar o trabalho de parto namoramos e saímos para uma caminhada. Me lembro que com aquele barrigão metros pareciam kilomêtros.  Depois do jantar por volta das 9h da noite comecei a me sentir estranha, inquieta e com contrações que julgei serem  pródromos, um novo falso trabalho de parto, que já se repetira há alguns dias.

Na incerteza de início de TP tentei dormir, até consegui por um tempo, mas fui acordada com as contrações mais intensas por volta de 11h da noite. Não havia posição, fui obrigada a sair da cama e me coloquei a caminhar pelo quintal a luz da lua cheia que iluminava aquela noite e no íntimo sabia que era o início do fim, do fim de quando ainda éramos eu e a Maya e partir dali seríamos duas, mas ainda ligadas. Com as contrações irregulares segui madrugada adentro, sem conseguir dormir. As quatro da manhã liguei para o Diego e para Marcela avisando, já havia uma consulta combinada no dia seguinte. Aconselhada por Diego consegui dormir um pouco, mas ainda me lembro de acordar entre uma contração e outra com pés suando frios. A consulta estava marcada para as 8h da manhã levantei as 7h e Diego me ligou perguntando como estavam as contrações, se irradiavam para as costa. Diante da minha negativa ele achou melhor esperar porque ainda podia demorar até o início efetivo TP. As 11h avisei uma amiga, Eva, que tinha iniciado o TP e combinamos dela vir me acompanhar até a chegada da Maya.

Ao meio dia liguei novamente para o Diego dizendo que as contrações estavam regulares, 5 em 5 minutos e irradiava para as costas, ele perguntou-me se havia perdido o tampão mucoso e como não havia perdido ainda me disse que esse era o sinal que o TP tinha começado efetivamente. Pediu-me para avisar quando isso acontece. Assim que desliguei ao ir ao banheiro para minha surpresa lá estava o tal tampão mucoso. Avisei o Diego e a Marcela que ficaram de se apressar e vir para Anápolis. Antes de almoçar fiquei um pouco só, pois o Juan tinha que resolver umas coisas antes do parto. Me lembro da mistura de sentimentos que esse momento trouxe estava só e não estava, éramos eu e a Maya e nos duas iriamos atravessar essa jornada juntas. Nesse tempo almocei e a Eva chegou e foi bom ter companhia.  A noção do tempo já estava completamente alterada e já não saberia dizer quanto tempo levou para que as contrações passassem de 5 em 5 para 3 em minutos. Acho que nesse momento entrava na tão falada partolândia, algumas coisas deixaram impressões bem marcadas em mim, tal como a delícia de ouvir o canto dos pássaros entre uma contração e outra. Instintivamente queria ficar de cócoras, agachar mais me contive porque havia tido problemas de hemorroidas no fim da gravidez e tinha medo de agravar com o parto.

Em algum ponto no meio da tarde, quando as contrações já duravam muito tempo, Eva teve que sair e enquanto o Juan se ocupava de encher a piscina. Diego e Marcela estavam a caminho mas houve um acidente na estrada que retardou a chegada deles. Não havia mais posição, lugar e como se eu não coubesse mais em mim, me lembro de deitar na cama e a música do Djavan invadir a cabeça: “..por ser exato o amor não cabe em si por se encantado o amor revela-se por ser amor invade e fim...” queria ouvi-la mas não houve tempo. Nesse momento a bolsa estourou e ao mesmo tempo Diego e Marcela chegaram. No primeiro exame de toque, 6 cm de dilatação, cabeça baixa. A Marcela pegou a bola e rebolando deixei o corpo fazer o que devia ser feito. Pela boca os sons saiam e abriam caminhos para chegada da Maya. As contrações já estavam tão próximas umas das outras e pareciam durar uma eternidade. Quis entrar na piscina e a água quente era como se tirasse toda dor com as mãos. Contudo a água retardou as contrações e em algum ponto pela posição a piscina deixou de ser confortável. Desejei voltar para bola e já não fazia ideia das horas e como me sentia direito, era como se eu fosse somente contração e muita pressão no reto que me confundia e me levava ao banheiro a todo momento. Um grande pulsar, mas havia torpor também. Uma vontade louca de deitar e dormir... Diego sugeriu que eu mesma fizesse o toque, pois já podia sentir a cabecinha dela no canal vaginal. E foi uma grande emoção sentir que ela vinha, que estava perto.

Nesse momento pedi para o Juan e Marcela cantarem “tu vens, tu vens eu já escuto os teus sinais...” e uma emoção tomou conta de mim, a constatação que minha filha chegava e partir dali tudo se transformaria. Senti que era hora de voltar para piscina e sair de lá com a Maya nos braços. Não queria fazer força no puxo, para não haver lacerações e muito menos problemas com as hemorroidas. Mas a posição que assumi na piscina não favorecia a descida da Maya. As luzes foram apagadas e acendemos apenas uma luz ao pé da piscina que dava uma cor azulada maravilhosa. E mesmo ouvindo da Eva, Diego, Juan e Marcela que podiam ver a cabecinha dela não acreditava e gemia a cada contração. Me sentia como um animal ao gemer (minhas testemunhas me disseram que fui extremamente comedida em gritos e gemidos, mas essa não era minha percepção). Foi preciso que o Juan entrasse na piscina para parir junto comigo. E com muita massagem da Marcela para soltar as pernas que eu travava a cada contração e o Juan segurando-me em cócoras a Maya atravessou a passagem e nasceu as 20h55, segunda-feira, 29 de novembro, lua cheia. Com uma circular de cordão, 3.100 kg e 51 cm, Diego amparou a nossa pequenina nos e colocou sobre meu peito. E nesse ponto não sei traduzir em palavras como senti, amor, dor, felicidade, alegria, medo. Tudo ao mesmo tempo. Chorava e ria essa era minha expressão nas fotos. Assim ficamos pelos primeiros minutos da vida da Maya. Enquanto ela me olhava e eu abraçava e me preocupava porque não chorava.

Mas esse instante foi tão rápido que logo pude ouvir seu chorinho e o cheiro que nunca mais vou esquecer, cheiro de amor. Era assim que a casa cheirava. Ainda levamos três horas para parir a placenta. E na cama com Maya no peito e ainda ligada a mim pelo cordão recebemos as primeiras visitas. Já não importava mais, pois minha pequenina cumpria sua primeira missão no mundo, unir, trazer amor. Três pontos foram necessários, houve uma pequena laceração embora eu não tenha feito força. Com relação a laceração passei avaliar da seguinte forma: o medo é algo presente no parto, mesmo que você não admita ela estará lá, porque é ele que te preserva. O medo é algo constante em minha vida, afinal são três planetas numa casa só e isso, segundo minha astróloga, isso gera um medo. Nunca admiti na gravidez a presença do medo e foi preciso que a Maya chegasse e “rasgasse” esse medo, me livra-se de uma porção de coisas. Não me arrependo nem um minuto da minha escolha, Maya nasceu no seu próprio quarto e tudo que foi preciso foram muito amor, apoio e deixar a natureza agir. O parto deve atender ao desejo da mulher e esse foi o meu desejo, o meu parto. Sou eternamente grata a a equipe: Iara, Diego, Marcela, Eva e Juan que me apoiaram e puderam facilitar a vivência da experiência mais transformadora da minha vida."

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