sexta-feira, 9 de março de 2012

Para ter filhos, não bastam as boas intenções


Ontem foi divulgada, pelo Correio Braziliense, matéria a respeito de pai que foi parar na delegacia por estar espancando uma criança de 3 anos – coincidentemente seu filho – em um local público – a escola que o menino freqüenta. O motivo? A recusa do guri em entrar na escola. O sujeito, não contente em ter exposto o menino a uma situação vexatória, de apanhar em público, ao ouvir críticas e pedidos para que parasse com aquilo, foi para o banheiro da instituição, tirou o cinto da calça e passou a desferir novos golpes.

Com 3 anos, é o tipo de cena que pode nunca mais se apagar da memória do menino. E, com a sociedade informatizada, é bem possível que daqui a 10 anos, numa inocente pesquisa para a escola, ele consiga acessar a repercussão que o fato teve nos meios de comunicação. Fico pensando no reflexo disso para a relação entre pai e filho e, mais, para a integridade emocional desse menino, que contará então com 13 anos, e os sentimentos que isso pode lhe provocar – desde vergonha pela exposição até ódio daquele que aprendeu a chamar de pai. Fico pensando ainda mais no que ele irá pensar dos comentários deixados na página virtual pelos leitores da matéria, completamente fora de sintonia com o respeito aos direitos humanos, aplaudindo o ato do pai em “corrigir” o filho, em tratá-lo como se fosse um objeto de sua propriedade.

Causa espanto, pelo menos pra mim, que existam pessoas que ainda defendem agressões físicas como método educativo nos dias de hoje. Um dos argumentos é que as crianças de hoje são muito inteligentes e manipulam os pais para fazer valer sua vontade. Sim, é verdade, mas não são só as crianças que lançam mão de inteligência para fazer valer suas vontades. Isso é do ser humano e, desde que não coloque a vida de ninguém em risco, ou prejudique terceiros, não é necessariamente uma característica negativa. Mas eu penso que o que ocorre hoje, e muitas vezes desconcerta os mais velhos, é que as crianças de hoje são MAIS inteligentes que as de outras gerações, em função de uma série de desdobramentos da nossa sociedade contemporânea, do excesso de informação, da velocidade dos acontecimentos, das tecnologias disponíveis para interação humana. Meu filho de 9 meses, por exemplo, se comunica muito bem com os avós que moram longe, via Skype. Ele sabe que tem alguém naquela tela interagindo com ele e corresponde como se estivesse ao vivo – inclusive tentando “pegar” neles.

A pediatra dele, por outro lado, que já acompanhou pelo menos duas gerações de bebês, diz que a atual funciona melhor se você souber explicar – em poucas palavras, é claro – o porquê de ter que fazer ou não poder fazer algo. Que a simples ordem já não satisfaz, mas que a capacidade de dialogar que for demonstrada pelo adulto é bem vinda. Eu complementaria dizendo que eles podem nem entender exatamente o sentido de cada palavra dita, mas percebem muito bem a disposição afetiva, o tom de voz tranqüilo e a paciência exigida num processo educativo que precisa acompanhar a maturidade emocional e intelectual de cada criança – e que leva muito, mas muito mais que 3 anos, quando eles estão ainda começando a falar com mais desenvoltura. E eu nem vou entrar no mérito de que cada ser humano tem um ritmo particular e único...

O que tem me parecido, a partir de fatos como esse e da resistência a iniciativas de punição dos castigos corporais contra crianças e adolescentes, é que diante dessa nova geração, os adultos emburreceram e não sabem como agir. E acreditam que fazendo como seus pais e seus avós faziam, conseguirão educar essas crianças. Bem, o conceito de educar é muito amplo, mas quem aceita a existência da agressão física como método chega a argumentar que é só um corretivo, que uma palmada não tem problema. Muito provavelmente a Isabela Nardoni, aquela criança de 6 anos que foi jogada pela janela pelo pai e pela madrasta, deve ter começado seu caminho até a morte apenas levando umas palmadas.

Para gerar um filho, basta uma relação sexual, com amor ou não, um óvulo e um espermatozóide.

Para trazê-lo ao mundo de forma respeitosa e consciente, na sociedade das cesarianas agendadas e nascimentos em série, é preciso buscar um pouco mais de informação.

Para cuidar dele enquanto ainda é um bebê, agüentando as noites mal dormidas, interrompidas por muitos meses e mantendo o pique na manhã seguinte e nas demais, ouvindo vários tipos de choro como única forma de comunicação, além da necessidade de contato físico constante e quase permanente que os bebês possuem, dada sua fragilidade, é necessária uma dose cavalar de paciência e visão de que isso é um momento muito breve perto do resto da vida que vem pela frente.

Para educá-lo para ser um adulto saudável e capaz de confiar nas pessoas, ao invés de ver o mundo como um lugar hostil, em que o mais forte oprime o mais fraco e a violência é uma forma legítima de fazer valer suas vontades, não bastam boas intenções. É preciso usar a inteligência e saber que o exemplo vem de casa.

Definitivamente, ter filho não é pra qualquer um.

A repercussão do caso, somada com o debate sobre a lei da Palmada que está em tramitação no Congresso Nacional, me faz lembrar do momento da aprovação da Lei Maria da Penha e da resistência do velho pensamento à punição pretendida a quem batia em mulheres, argumentando que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Pois bem, a lei foi sancionada, passou a viger e hoje, 6 anos depois, temos um cenário em que a questão é levada muito mais a sério por homens e mulheres e tratada como assunto de ordem pública e não privada. Que o mesmo ocorra com a Lei da Palmada, e que quando esse menino de 3 anos espancado pelo próprio pai, tiver idade para saber e entender o que aconteceu a ele, vivamos numa sociedade que já esteja punindo os castigos corporais supostamente educativos contra crianças e adolescentes, acabando com a tolerância a esse outro tipo de violência doméstica, hedionda e absolutamente ineficaz para alcançar os objetivos propagados por seus defensores.

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