Ontem foi divulgada, pelo Correio Braziliense, matéria a
respeito de pai que foi parar na delegacia por estar espancando uma criança de
3 anos – coincidentemente seu filho – em um local público – a escola que o
menino freqüenta. O motivo? A recusa do guri em entrar na escola. O sujeito,
não contente em ter exposto o menino a uma situação vexatória, de apanhar em
público, ao ouvir críticas e pedidos para que parasse com aquilo, foi para o
banheiro da instituição, tirou o cinto da calça e passou a desferir novos
golpes.
Com 3 anos, é o tipo de cena que pode nunca mais se apagar
da memória do menino. E, com a sociedade informatizada, é bem possível que
daqui a 10 anos, numa inocente pesquisa para a escola, ele consiga acessar a
repercussão que o fato teve nos meios de comunicação. Fico pensando no reflexo
disso para a relação entre pai e filho e, mais, para a integridade emocional
desse menino, que contará então com 13 anos, e os sentimentos que isso pode lhe
provocar – desde vergonha pela exposição até ódio daquele que aprendeu a chamar
de pai. Fico pensando ainda mais no que ele irá pensar dos comentários deixados
na página virtual pelos leitores da matéria, completamente fora de sintonia com
o respeito aos direitos humanos, aplaudindo o ato do pai em “corrigir” o filho,
em tratá-lo como se fosse um objeto de sua propriedade.
Causa espanto, pelo menos pra mim, que existam pessoas que
ainda defendem agressões físicas como método educativo nos dias de hoje. Um dos
argumentos é que as crianças de hoje são muito inteligentes e manipulam os pais
para fazer valer sua vontade. Sim, é verdade, mas não são só as crianças que
lançam mão de inteligência para fazer valer suas vontades. Isso é do ser humano
e, desde que não coloque a vida de ninguém em risco, ou prejudique terceiros,
não é necessariamente uma característica negativa. Mas eu penso que o que
ocorre hoje, e muitas vezes desconcerta os mais velhos, é que as crianças de
hoje são MAIS inteligentes que as de outras gerações, em função de uma série de
desdobramentos da nossa sociedade contemporânea, do excesso de informação, da
velocidade dos acontecimentos, das tecnologias disponíveis para interação
humana. Meu filho de 9 meses, por exemplo, se comunica muito bem com os avós
que moram longe, via Skype. Ele sabe que tem alguém naquela tela interagindo
com ele e corresponde como se estivesse ao vivo – inclusive tentando “pegar” neles.
A pediatra dele, por outro lado, que já acompanhou pelo
menos duas gerações de bebês, diz que a atual funciona melhor se você souber
explicar – em poucas palavras, é claro – o porquê de ter que fazer ou não poder
fazer algo. Que a simples ordem já não satisfaz, mas que a capacidade de
dialogar que for demonstrada pelo adulto é bem vinda. Eu complementaria dizendo
que eles podem nem entender exatamente o sentido de cada palavra dita, mas
percebem muito bem a disposição afetiva, o tom de voz tranqüilo e a paciência
exigida num processo educativo que precisa acompanhar a maturidade emocional e
intelectual de cada criança – e que leva muito, mas muito mais que 3 anos,
quando eles estão ainda começando a falar com mais desenvoltura. E eu nem vou
entrar no mérito de que cada ser humano tem um ritmo particular e único...
O que tem me parecido, a partir de fatos como esse e da
resistência a iniciativas de punição dos castigos corporais contra crianças e
adolescentes, é que diante dessa nova geração, os adultos emburreceram e não
sabem como agir. E acreditam que fazendo como seus pais e seus avós faziam,
conseguirão educar essas crianças. Bem, o conceito de educar é muito amplo, mas
quem aceita a existência da agressão física como método chega a argumentar que
é só um corretivo, que uma palmada não tem problema. Muito provavelmente a
Isabela Nardoni, aquela criança de 6 anos que foi jogada pela janela pelo pai e
pela madrasta, deve ter começado seu caminho até a morte apenas levando umas
palmadas.
Para gerar um filho, basta uma relação sexual, com amor ou
não, um óvulo e um espermatozóide.
Para trazê-lo ao mundo de forma respeitosa e consciente, na
sociedade das cesarianas agendadas e nascimentos em série, é preciso buscar um
pouco mais de informação.
Para cuidar dele enquanto ainda é um bebê, agüentando as
noites mal dormidas, interrompidas por muitos meses e mantendo o pique na manhã
seguinte e nas demais, ouvindo vários tipos de choro como única forma de
comunicação, além da necessidade de contato físico constante e quase permanente
que os bebês possuem, dada sua fragilidade, é necessária uma dose cavalar de
paciência e visão de que isso é um momento muito breve perto do resto da vida
que vem pela frente.
Para educá-lo para ser um adulto saudável e capaz de confiar
nas pessoas, ao invés de ver o mundo como um lugar hostil, em que o mais forte
oprime o mais fraco e a violência é uma forma legítima de fazer valer suas
vontades, não bastam boas intenções. É preciso usar a inteligência e saber que
o exemplo vem de casa.
Definitivamente, ter filho não é pra qualquer um.
A repercussão do caso, somada com o debate sobre a lei da
Palmada que está em tramitação no Congresso Nacional, me faz lembrar do momento
da aprovação da Lei Maria da Penha e da resistência do velho pensamento à
punição pretendida a quem batia em mulheres, argumentando que “em briga de
marido e mulher não se mete a colher”. Pois bem, a lei foi sancionada, passou a
viger e hoje, 6 anos depois, temos um cenário em que a questão é levada muito
mais a sério por homens e mulheres e tratada como assunto de ordem pública e
não privada. Que o mesmo ocorra com a Lei da Palmada, e que quando esse menino
de 3 anos espancado pelo próprio pai, tiver idade para saber e entender o que
aconteceu a ele, vivamos numa sociedade que já esteja punindo os castigos
corporais supostamente educativos contra crianças e adolescentes, acabando com
a tolerância a esse outro tipo de violência doméstica, hedionda e absolutamente
ineficaz para alcançar os objetivos propagados por seus defensores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário